Hugo conquistou as duas primeiras etapas WTT de 2023 (Crédito: WTT)

Hugo foi personagem de uma matéria muito especial publicada pelo L’Équipe, o mais importante jornal esportivo francês e um dos maiores de toda a Europa. Confira a íntegra da matéria traduzida!

Por Eric Frosio, correspondente do L’Équipe no Rio de Janeiro
Matéria publicada originalmente no site do jornal francês L’Équipe

Não se sabe se ele chega ao ponto de preferir o cassoulet à feijoada, mas o brasileiro Hugo Calderano, 26 anos, admite que se sente um pouco mais francês a cada dia. É preciso dizer que o mesatenista carioca, vencedor das etapas WTT de Durban e Doha em janeiro, caiu muito cedo na panela da cozinha francesa. Ele tinha apenas 16 anos em 2012, quando deixou o Rio de Janeiro para juntar-se aos subúrbios parisienses e ao Insep [Instituto Nacional de Esporte, Expertise e Desempenho], onde iria aperfeiçoar sua formação com Jean-René Mounier.

Uma mente ‘incrível’, um físico ‘excepcional’

O ex-técnico do Levallois, que trabalhava para a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa na época, viu o jogador de 14 anos “cheio de garra e entusiasmo” durante o Campeonato Brasileiro de 2010. Recusando-se a desarraigá-lo muito cedo, ele o enviou para São Caetano, perto de São Paulo, onde poderia viver com seu avô. Sério, diligente e acima de tudo muito talentoso, Hugo treinava entre 4 e 6 horas por dia no centro nacional de treinamento para compensar seu início tardio na modalidade. Mas ele progrediu muito rapidamente e “sua incrível mente, sua fisicalidade e sua extraordinária capacidade de compreensão”, segundo Mounier, levaram seu treinador a fazê-lo atravessar o Atlântico.

“Viver na França com apenas 16 anos, longe de casa e da minha família, me fez crescer”, admite Hugo Calderano hoje. “Foi uma experiência que me fez mais forte.” Apesar de uma grave lesão no quadril que estragou sua aventura parisiense, ele ainda se lembra de suas lições de francês (uma língua que domina perfeitamente) e, acima de tudo, de sua proximidade com Jean-Philippe Gatien, que ele ainda considera uma referência absoluta.

Após sua operação no Brasil, Hugo estava prestes a retornar ao Insep, mas seu mentor, Jean-René Mounier, havia deixado a capital francesa com seu parceiro, o técnico Michel Blondel, para trabalhar na Alemanha, em Ochsenhausen. Calderano seguiu a dupla e se juntou ao clube em uma pequena vila de 6 mil habitantes, a 150 km de Munique. Isolado, o brasileiro não precisava se forçar a permanecer focado em seu esporte e em seu progresso. “Eu estava longe das tentações que existem no Rio. Na verdade, eu sabia porque estava lá”, resume o mesatenista brasileiro, que derrotou Timo Boll (6° colocado do ranking mundial na época) em sua estreia pelo clube alemão, em 2014.

No ano seguinte, este poliglota, capaz de resolver o cubo mágico em menos de 10 segundos, venceu os Jogos Pan-Americanos em Toronto. Um título que é relevante de uma perspectiva brasileira, o que lhe dá um pouco de visibilidade no país do futebol e do vôlei. E nos Jogos Olímpicos Rio 2016, em sua terra natal, ele chegou às oitavas de final, mostrando um estilo de jogo cada vez mais ambicioso e exigente.

“A ideia não era copiar e colar o que os chineses fazem”, explica Jean-René Mounier. “O que tentamos fazer, em acordo com Hugo, foi usar suas qualidades para desenvolver um jogo único, o mais explosivo possível.” Um estilo que o técnico francês compara ao que Guardiola defendeu para revolucionar o jogo do Barça. “O objetivo é ir com tudo ao ataque! Jogue mais forte, mais rápido, mais perto”, resume ele. “Hugo é o que gera mais poder, de ambos os lados, ele não deve dar tempo aos seus oponentes. Quando é atacado, ele ataca ainda mais forte. É por isso que temos que nos esforçar!”

Um conceito admirado por seu ex-companheiro de clube, o francês Simon Gauzy, atualmente 31º no ranking mundial: “Hugo é o jogador mais forte do mundo, ele é hiper-agressivo o tempo todo. Quando entra, é imparável. Ele trabalha muito, de forma muito inteligente e tem uma força mental incrível.”

Um globetrotter talentoso

Estas qualidades fazem seus treinadores felizes, pois têm o prazer de trabalhar com um garoto solar que está sempre de bom humor e que não é do tipo que arrasta os pés quando chega ao ginásio. “Ele está pronto para fazer qualquer sacrifício, ele é exigente e nunca se desvia um centímetro, mesmo quando as coisas não estão indo bem”, diz Mounier, que acredita que ele é capaz de vencer os chineses com o tempo e um dia se tornar o número um do mundo.

Enquanto isso, Hugo Calderano continua a crescer e a ganhar confiança. Ele acaba de levantar dois troféus seguidos “graças a uma nova determinação” e está florescendo com sua equipe com sotaque francês. Além de Mikael Simon, seu preparador físico desde o início, ele recrutou outro francês do mundo do tênis. Xavier Moreau, fiel fisioterapeuta de Amélie Mauresmo e das equipes francesas na Copa Davis e na Copa BJK (ex-Fed Cup), juntou-se à alegre banda depois da aposentadoria de Jo-Wilfried Tsonga. “Xavier me traz sua experiência, sua energia e seu bom humor”, diz Hugo, que aprecia o “lado selvagem e um pouco louco” de Michel Blondel, a “calma” de Jean-René Mounier e a “perseverança e sede de trabalho” de Mikael Simon. “É graças a essa mistura que eu posso expressar meu jogo, minha personalidade”, afirma ele.

Depois de crescer no Brasil, ser treinado por franceses e jogar por oito anos na Alemanha, ele agora se juntou ao clube japonês Kinoshita Meister Tokyo. Um estranho mosaico que finalmente compõe as facetas deste menino, uma espécie de superdotado globalizado que sonha conquistar o mundo.