Hugo Calderano e Claudio Beznos no salão de tênis de mesa do Fluminense (Crédito: Arquivo pessoal)

Hugo e Claudio Beznos no salão de tênis de mesa do Fluminense (Crédito: Arquivo pessoal)

Por Claudio Beznos

Comecei a praticar tênis de mesa aos 9 anos. Por conta da profissão de dentista, estudos e pós-graduações, parei de jogar aos 23, e me mantive afastado por muitos anos.

No fim de 2009, num reencontro com a bolinha, levei meu filho para começar a treinar na escolinha do Ricardo Lopes, o Cebolinha. Acabei me animando também a voltar a jogar. Nos meus primeiros treinos, um garoto bem novinho, lá pelos seus 12 anos, me chamou muito a atenção. Para quem tem um pouco de visão e experiência no esporte, ficava nítido que estávamos diante de um prodígio. Nome do garoto: Hugo Calderano.

Quis o destino que eu fosse testemunha ocular do surgimento de um fenômeno do nosso esporte. Tive a oportunidade de treinar e jogar várias vezes com ele no salão do Fluminense. Pena que durou pouco para a galera do Flu, porque ele estava destinado a voos mais altos. Logo foi morar em São Caetano, na França, na Alemanha. Como sua família sempre foi muito presente e um porto seguro, quando vinha visitá-los, podíamos nos rever e colocar o papo em dia.

Rio 2016. Vivemos um sonho, um período que talvez nunca mais se repita, uma Olimpíada aqui no Brasil, no Rio de Janeiro. E no tênis de mesa havia uma situação diferente, uma sensação há muito não vivida por nós. Uma esperança bem de longe do nosso garoto prodígio alçar um voo nunca antes visto: trazer uma medalha olímpica.

Sabíamos que seria muito difícil, mas dava para sonhar. Aquele jogo das oitavas de final contra o Jun Mizutani foi antológico. Torcida lotando o Riocentro, torcendo como se estivesse no Maracanã, e uma derrota difícil de engolir. Nosso menino de ouro teve chance de vitória. Mas o esporte é assim mesmo. Chorei junto com o Hugo naquele dia. Próxima parada: Tóquio 2020.

Nem imaginávamos quanto sofrimento nos aguardava. A maior pandemia, um dos mais tristes momentos da história da humanidade. Tóquio 2020 virou 2021, muitas incertezas. E o nosso Hugo agora como sétimo do mundo. O sonho da medalha agora ficava muito mais perto de se tornar uma realidade.

Expectativa para as chaves. Pelo ranking, já tínhamos uma noção de como seria o caminho até as quartas, jogo fundamental para a disputa de uma possível medalha. Os jogos quase sempre de madrugada, com horários nem sempre definidos com muita antecedência, me causavam preocupação em relação a conciliá-los com a minha agenda no consultório.

Veio a primeira partida com o Bojan Tokic. Adversário conhecido da liga alemã, perigoso, mas Hugo entrando como favorito. Dominou boa parte do jogo, alguns momentos tensos, mas conseguiu fechar bem. A sua confiança aumentou, e a nossa junto. 

Veio então o duelo das oitavas, que poderia colocar o Hugo como o maior brasileiro de todos os tempos numa competição olímpica. Foi um jogo para matar a gente do coração. 4 a 3, duríssimo, contra o coreano Jang Woojin, que nos fez torcer feito loucos e comemorar de acordo com a importância histórica do resultado.

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Chegaram as quartas: Dimitrij Ovtcharov. Grande jogador e em excelente fase. Uma vitória daria direito a uma inédita semifinal olímpica. Um pequeno contratempo para mim: o jogo estava marcado para as 9h da manhã, horário que me surpreendeu. Tinha um paciente marcado exatamente às 9h, outro às 10h e mais um às 11h. Fiquei sem saber o que fazer. Decidi desmarcar o das 9h. Pensei, otimista que sou: o Hugo vai meter um 4 a 0 ou 4 a 1, e vou feliz trabalhar.

Acabou que o jogo atrasou um pouco. E o nervosismo começou a apertar. Os dois primeiros sets foram de sonho. Tudo dando certo, as bolas entrando, Dima meio perdido. Início do terceiro set avassalador, e me veio o seguinte pensamento: nem vou me atrasar com o paciente das 10h.

Depois do pedido de tempo do técnico alemão Roskoff, a partida mudou. Ficou 2 a 2, já passava das 10h, eu nervoso com o jogo, coração saindo pela boca, secretária mandando mensagem que o paciente já tinha chegado. Decidi desligar a televisão. Desci rápido o elevador e, como moro bem perto, fui a pé para o consultório, por um caminho que sabia que tinha um boteco que poderia ter uma televisão ligada. Dito e feito.

Chegando lá, havia uma TV sintonizada na Globo, uns caras tomando cerveja às 10h da manhã, torcendo para o Hugo, e comentando que ele deveria dar mais “cortadas” na direita do alemão. Essa cena nunca vai se apagar da minha mente. Surreal e impensável. O dia que o tênis de mesa, graças ao nosso Hugo, levou o nosso esporte a outro patamar: o de paixão nacional.

O resultado não foi o que a gente queria, mas a realização de alcançar as quartas de final, e a repercussão que o jogo teve, comprovada pela quantidade de pessoas de fora do esporte que vieram falar comigo sobre a partida, mostram que a missão do Hugo foi “quase” perfeita.

E que venha Paris 2024. E haja coração para aguentar esse turbilhão de emoções de novo. Valeu demais, Hugo.

Claudio BeznosClaudio Beznos é Cirurgião Dentista e mesatenista bicampeão brasileiro na categoria Veterano 40